No Brasil, diversidade vem em primeiro lugar

O Conselho Nacional e Justiça constituiu um programa de ação afirmativa que reserva cotas para negros para ingressar na magistratura. Conduzido pessoalmente pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luís Barroso ele arregimenta junto à iniciativa privada, financiamento da sua adequada preparação e o custeio da sua permanência nos ambientes de qualificação. Mais de uma centena de empresas recolheram quase 20 milhões para contribuir na construção dessa longa travessia.

A empresa Carrefour Brasil, a maior varejista do país, internalizou toda sua segurança privada, equipou todos com câmeras corporais e está qualificando seus integrantes em curso superior de segurança privada voltada no respeito as diferenças e direito humanos. Criou o cargo de diretor de Equidade racial no seu organograma, e instituiu a cláusula contratual antirracista na relação com seus fornecedores.

O Banco do Brasil, um dos maiores do país, além de haver indicado uma mulher, negra como presidente, foi a primeira empresa do país a nomear duas mulheres negras para seu conselho de administração e um profissional negro para dirigir uma de suas empresas a BB Asset que gere uma carteira de mais de três bilhões de reais.

O Banco Bradesco está completando a efetivação de quase 500 profissionais negros no seu programa de inclusão no mercado e trabalho em parceria com a Universidade Zumbi dos Palmares voltada para formação e inclusão de jovens negros. E, o Magazine Luiza prepara a sua nova turma de trainees exclusivos para profissionais negros, dentre tantas outras ações de diversos calibres.

Todas essas ações pontuais realizadas no ambiente público e privado e em setores empresariais tão distintos fazem parte daquelas realizadas pelo conjunto das mais de quinhentas empresas públicas e privadas de equidade que, ao longo dos últimos dez anos, tem construído e consolidado ações e medidas profundas, potentes e inovadoras na promoção da valorização e fortalecimento da inclusão, diversidade, e do efetivo enfrentamento, combate e superação da discriminação racial e de gênero do nosso país.

As centenas de empresas brasileiras que constroem e consolidam a equidade racial e de gênero, no Brasil, são o mais destacado e valoroso case mundial de compromisso e responsabilidade social corporativa; Constituem, por isso mesmo, a mais inovadora e transformadora estratégia empresarial de ação e transformação social, econômica e corporativa, totalmente, alinhada com a dignidade da pessoa humana, o combate as marginalidades e desigualdades sociais e, principalmente , inclusão e igualização das oportunidades sem preconceito ou discriminação conforme define e determina os princípios, os objetivos e os direitos constitucionalmente reconhecidos e garantidos do nosso país.

No entanto, enquanto o Brasil avança nessa agenda, com lideranças corporativas, governamentais e da sociedade civil dialogando e construindo consensos, soluções políticas públicas e privadas e ações e medidas objetivas de mudança e transformação, nos Estados Unidos, o governo Trump faz conhecer no seu discurso de posse e, em seguida, num decreto governamental a proibição do desenvolvimento e implementação das políticas públicas e privadas de inclusão e diversidade sob o argumento da necessidade de fortalecer a restauração dos valores da dignidade individual, garantir a excelência e promover a construção de uma sociedade que não vê cores.

Todavia, além de equivocado, o argumento de Trump é falacioso ao afirmar de que as medidas afirmativas criam privilégios para determinados grupos, em detrimento de outros. Essa retórica populista ignora que a desigualdade não é um fenômeno natural, mas sim um reflexo de sistemas criados e mantidos historicamente excludentes, e de escolhas sociais, políticas e econômicas que pretendem definir pelo mérito pessoas que partem de pontos diferenciados para disputar as oportunidades, num ambiente de competição em que justamente o racismo e as discriminações são elementos e componentes dessas desequalizações.

Diferentemente do que afirma Trump, as ações afirmativas não desigualizam, pelo contrário, de forma flexível e ajustável cria oportunidades reais e objetivas onde a inflexibilidade do mérito puro jamais alcançaria. Por outro lado, desconsiderar as cores quando elas são expressão da exclusão e desigualdades significa perpetuar esse status quo, fechar as portas para a mobilidade social e impedir o reconhecimento do talento, e, logo da dignidade individual. Ou seja, tornar a injustiça o fundamento da ação política e da competição social, principalmente, no Brasil onde, por exemplo, os negros são maioria da população.

O fato insuperável é que a diversidade fortalece a sustentabilidade do crescimento econômico. Em um país marcado por profundas desigualdades raciais e de gênero, negligenciar essa realidade significa perpetuar um modelo econômico ineficiente e socialmente injusto. O recente manifesto de empresas brasileiras e instituições de defesa da diversidade corporativa representa uma resposta contundente a essa visão anacrônica. As cerca de 500 empresas signatárias representadas reafirmam o óbvio e o inderrogável: a diversidade e a equidade são elementos estruturantes para a inovação, a produtividade e a justiça social e sua promoção e alinhamento tornam-nas mais atraentes para investidores, consumidores e talentos que buscam organizações alinhadas aos princípios de responsabilidade social e governança ética.

Esse posicionamento demonstra que, enquanto governos podem oscilar diante de pressões ou cálculos políticos inconfessáveis, o setor empresarial pode desempenhar uma ação contundente e relevante na afirmação e compreensão que um ambiente inclusivo e diverso gera benefícios concretos para a economia, sociedade, o indivíduo, o ambiente de negócio e, principalmente, para os valores do trabalho e da livre iniciativa. Se esse é o caminho correto a seguir e a coisa certa a fazer, as tentativas de desqualificar políticas de diversidade não passam de esforços para preservar privilégios e manter estruturas ultrapassadas de poder. Dessa forma, a decisão das empresas brasileiras de reafirmarem seu compromisso com essa agenda, mesmo diante do novo cenário adverso, demonstra visão estratégica e compromisso com o futuro. Resistir às ações regressivas promovidas por setores ultraconservadores impulsionadas por Trump, reforça a convicção de que a diversidade não é uma concessão, mas um pilar inegociável da cidadania corporativa. No Brasil, a diversidade deverá estar sempre em primeiro lugar para ajudar a construir um brasil plural, democrático, grande e justo novamente.  


Autor: José Vicente, Advogado, doutor em educação e Pós Doutor pela USP e Reitor da Universidade Zumbi dos Palmares.
Veiculação: Jornal Valor
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